Valorizando a água para o uso no campo
Você consegue se imaginar em um mundo sem água? Dificilmente, não é? Organismos vivos são totalmente dependentes de água para a manutenção da vida.
Nós humanos, por exemplo, somos constituídos de aproximadamente 70% dessa substância. Já em plantas essa proporção pode chegar a mais de 95%. De fato, o conceito de vida que temos é tão intimamente ligado à água que a imagem de um mundo desidratado fica muito distante de nós.
Mas se considerarmos toda a água da Terra, sua quase totalidade é salgada e está em oceanos, mares ou abaixo da terra, restando apenas 3% de água doce. E se considerarmos o que está congelado, apenas 0,5% de toda a água da qual temos conhecimento está disponível para todos os usos que fazemos dela, sendo a agricultura a maior consumidora dentre todas as atividades humanas.
Fazendeiros hoje utilizam 3/4 da água doce consumida no mundo e em algumas regiões essa razão é ainda maior. Esse elevado consumo encontra resposta na grande produção de alimentos, fibras e energia pela qual a agricultura se responsabiliza. Com o aumento da população humana, as demandas por esses bens vêm crescendo consideravelmente. E apesar de estarmos trabalhando para que todas sejam atendidas, a continuação das práticas atuais de produção de alimento - somadas a tendências ambientais preocupantes - poderá resultar em crises hídricas em muitas partes do mundo.
O cenário global da disponibilidade de água no médio-longo prazo é, com efeito, preocupante. Em 2025 espera-se que 1,8 bilhão de pessoas vivam em países ou regiões com escassez hídrica (menos de 500 m3 anuais de água per capita); já 66% de toda a população do mundo viveriam sob condições de estresse hídrico (entre 500 e 1000 m3 anuais de água per capita). Assim, um ponto de atenção é levantado: já que a agricultura consome tanta água, de que forma as práticas agrícolas podem mitigar as consequências desta atividade humana?
Uma delas está no melhor aproveitamento da água da chuva, tornando-a disponível para as culturas no momento em que mais precisam. Isso envolve uma boa sincronia entre captura, conservação e uso no local de maior necessidade, com um manejo local visando redução das perdas por evaporação. Atrelado a isso, a avaliação dos padrões pluviométricos para determinação da quantidade e qualidade das chuvas passa a ser uma estratégia válida, assim como considerar as culturas que melhor se adaptam a esses padrões ao longo da safra.
Já no momento do uso da água no campo, muitas são as possibilidades. Diversos métodos de irrigação foram desenvolvidos e aprimorados ao longo dos anos. Os sistemas de microirrigação, por exemplo, têm como característica a aplicação localizada e baixa vazão relativa, contribuindo em muito para a economia hídrica. Quando comparada com a irrigação por superfície - como nos casos de alagamento, especialistas afirmam que essa economia pode chegar a 50%. Apesar de nem todas as culturas e formas de produção permitirem a adoção de sistemas de irrigação econômicos, avanços tecnológicos em diferentes áreas têm contribuído para outras maneiras de se alcançar um melhor uso da água.
Culturas geneticamente modificadas (GMs) que toleram a restrição hídrica são um exemplo disso, uma vez que garantirem níveis aceitáveis de produtividade apesar do baixo aporte hídrico. É o caso do projeto WEMA - Water Efficient Maze for Africa, uma colaboração público-privada que gerou uma variedade de milho através de cruzamento convencional e biotecnologia que suporta uma menor irrigação, além de ser resistente ao ataque insetos. O objetivo é garantir que pequenos produtores da África subsaariana obtenham as sementes sem o pagamento de royalty e consigam produzir o grão mesmo nas precárias condições hídricas do continente.
Somada a isso está a ciência de dados, que vem ganhando muito espaço nas aplicações agrícolas e também agregado à otimização do uso dos diferentes recursos necessários para que se produza mais com menos. Hoje já existem sensores que são capazes de detectar os níveis de umidade do solo. Associada a eles está a migração de dados para plataformas digitais que permitem também um melhor compartilhamento entre bancos de dados, o que significa que predições sobre o consumo da água ficarão cada vez melhores, assim como as tomadas de decisão oriundas delas.
O uso global da água vem crescendo a uma taxa duas vezes maior do que o aumento populacional no último século, o que faz com que muitas regiões estejam atingindo o limite com o qual os serviços hídricos podem ser entregues de forma sustentável. Mas estamos em tempo de concentrar esforços para contribuir para uma melhoria deste quadro. Dado que a agricultura é uma das principais escoadoras deste bem tão precioso, toda contribuição que o setor puder prestar para sua economia terá imenso valor para o progresso da humanidade.
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